Estratégia é uma daquelas palavras legais que caíram na boca das pessoas e, por ter sido utilizada de maneira ampla e indiscriminada por muito tempo, acabou perdendo seu sentido real. Hoje temos “estratégia” para quase tudo: estratégia de preços; estratégia de atendimento; estratégia de comunicação; estratégia de remuneração; estratégia de vendas; e por aí vai…
Leia atentamente as declarações abaixo, extraídas de diversas empresas reais:
“Nossa estratégia é ter o menor preço”.
“Nossa estratégia é sermos líder no mercado”.
“Nossa estratégia é proporcionar um serviço inigualável ao cliente”.
Todas essas declarações tem uma coisa em comum: NENHUMA DELAS É UMA ESTRATÉGIA!
Não obstante para sobreviver < e prosperar > num ambiente hipercompetitivo você PRECISA de uma estratégia!
Mas afinal, o que é essa tal de “estratégia”?
Estratégia tem a ver com a TOMADA DE DECISÃO PARA O FUTURO. Trata-se fundamentalmente de FAZER ESCOLHAS e, sobretudo, definir o que NÃO FAZER! Tecnicamente ela é definida por um CONJUNTO < não é uma coisa só! Não é uma abordagem única nem um caminho linear > de atributos e atividades que orquestrados < precisa de liderança > da maneira correta permitem à empresa “capturar” a preferência dos clientes num determinado mercado. Ao traçar sua “rota” para o futuro você precisa ter duas coisas em perspectiva: Os recursos < disponíveis e a adquirir > e as restrições < as limitações e barreiras >.
Para começar vamos esclarecer um dos maiores equívocos com relação à “estratégia”. É muito comum as pessoas pensarem que o caminho para vencer é tentar ser o “melhor”. Essa ideia é fortemente influenciada pelas analogias da estratégia com o esporte ou com o pensamento militar. Nos jogos esportivos, ou na guerra, para um ganhar o outro tem que perder. Para ser o “primeiro” alguém necessariamente tem que ser o “segundo”.
Essa NÃO É uma boa maneira de se pensar estratégia!
É muito arriscado pensar em superação sobre o outro porque isso pode levar à “exaustão” do ambiente competitivo, pois sem uma estratégia clara todos acabam lutando pelos mesmos “recursos” (clientes) no mesmo “ambiente” (mercado).
Fazendo uma analogia com sistemas biológicos: Da mesma forma que em um ecossistema natural, eventualmente vai haver um desequilíbrio e uma das “espécies” (empresa) competindo nesse meio vai entrar em risco de “extinção” (fechar as portas por não conseguir mais obter do meio os recursos para sobreviver).
O maior perigo da linha de pensamento “ser o melhor”, entretanto, é o FOCO. Quando você joga para “ser o melhor” seu foco fica sempre no competidor < e não no cliente! > e você passa a jogar o jogo do “eu tenho, você não tem”: novas máquinas, novas bicicletas, novas esteiras, nova sala, nova aula, etc. Tudo para ter algo que o outro não tem na esperança de atrair mais clientes.
Mas porque a maioria ainda segue por esse caminho?
Porque no início funciona! Só que depois tudo volta ao estado “normal” (homeostasis). Ou seja, os clientes que entraram atraídos pela “novidade” saem e a base geral de pagantes volta ao “nível médio habitual”. Não houve a criação de uma “vantagem competitiva” sustentável.
Muito do “aperto” que as empresas/profissionais passam hoje em dia pode ser creditado a uma falta de CLAREZA ESTRATÉGICA. O pensamento enviesado e o mal entendimento do que de fato vem a ser uma “estratégia” leva por vezes a decisões equivocadas de investimento, gerando poucos resultados concretos ou duradouros. Ou pior: A ausência de “visão” acaba levando à paralysis, estado onde nenhuma decisão é tomada e nada é feito, à despeito das mudanças e ameaças no ambiente competitivo!
Ok, mas se o caminho para sobreviver não é ser “o melhor” então qual é? Como construir uma “estratégia”?
Na competição pelo mercado e em negócios seu trabalho não é ser o “melhor” mas sim ser ÚNICO.
– “Uma empresa só consegue superar seus concorrentes quando cria um diferencial que pode ser sustentado” – Michael Porter
Por isso o jogo “eu tenho, você não tem” é um jogo de “soma zero” (ninguém ganha). Em pouco tempo os concorrentes conseguem “ter” o mesmo que você (ou algo praticamente similar).
Uma posição estratégia sustentável emerge de três possíveis fontes distintas:
- Atender poucas necessidades de muitos clientes (ex.: Smarfit);
- Atender muitas necessidades de poucos clientes (ex.: Crossfit) ou;
- Atender muitas necessidades de muitos clientes de um mercado restrito (ex.: academia para pessoas com mais de 40 anos).
Então para se conceber uma estratégia é preciso primeiro definir esse tal de “mercado” < mercado = gente >. Você precisa escolher, desde o princípio, QUEM você vai atender. O “lado oculto” dessa definição é que você, automaticamente, acaba por escolher também quem você NÃO VAI ATENDER!
Querer atender “todo mundo” é um dos maiores erros estratégicos cometidos pelas empresas/profissionais!
Uma vez definido seu “público” você pode erguer sua posição estratégica com base em um de três pilares: Custo/preço (Smartfit), Diferenciação (Crossfit) ou Foco (academia 40+). Mais uma vez: O CONJUNTO de atributos/atividades que você combinar < fazendo o melhor uso possível dos seus recursos > para atender apropriadamente seu público é o que caracteriza sua estratégia!
Mas cuidado: De nada adianta executar de maneira brilhante uma coisa que para começar não deveria nem ter sido feita! Como exemplo podemos citar o caso comum do investimento em reformas de salas que ficam lindas, cheias de luzes e instrumentos pirotécnicos, mas que ainda assim ficam ociosas a maior parte do tempo… Simplesmente porque, para começar, ninguém “mirou” certo e alguém na empresa decidiu jogar o jogo do “eu tenho, você não tem”… Faltou identidade < leia mais sobre identidade aqui >.
Quando for pensar “estrategicamente” tenha em mente o acrônimo VRIO:
– V: Isso que eu vou fazer tem VALOR, isto é, meu público escolhido atribui importância tal que ele está disposto a fazer “sacrifícios” < dinheiro, tempo, preferência > para estar comigo?
– R: Isso que me proponho a fazer é RARO, isto é, meu público alvo, além de atribuir valor, NÃO CONSEGUE obter de outro concorrente local?
– I: Isso que estou fazendo é difícil de IMITAR?
– O: Eu consigo ORQUESTRAR meus recursos (humanos e materiais) de forma a capitalizar ao máximo sobre todos os itens acima?
Quando se pensa “estrategicamente” dessa forma consegue-se entender por que é que a busca por ser “único” é um caminho que pode “descolar” a empresa/profissional de seus concorrentes garantindo não só a sobrevivência mas, sobretudo, a prosperidade mesmo em mercados saturados!
Na ausência de uma estratégia definida o caminho “natural” é a competição por preços. Ela é resultado de uma “miopia empresarial” ou incapacidade de olhar “para frente” e antecipar(-se) as mudanças nas necessidades dos clientes e fazer, no devido tempo, as “correções de rota” para se manter à frente da concorrência.
A maior crise que vivemos é do nosso próprio modelos de negócios, desgastado pela passagem do tempo e não mais capaz de gerar os ganhos do passado. Por outro lado existem hoje MUITAS opções estratégicas! Mas você precisa planejar sua rota e escolher seu caminho. Esta é a melhor hora para fazer isso porque, citando Antônio Gramsci,
– “A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não nasceu” –
CLEVERSON COSTA
PhD Researcher
Lisbon School of Economics & Management
Universidade de Lisboa – Portugal
Referências:
Barney, J. B., & Hesterly, W. S. (2010). VRIO framework. Strategic management and competitive advantage, 68-86.
Hambrick, D. C., & Fredrickson, J. W. (2001). Are you sure you have a strategy? The Academy of Management Executive, 15(4), 48-59.
Porter, M. E. (1996). What is Strategy? Harvard Business Review, 74(6), 61–78.